sexta-feira, 14 de março de 2008

Sentido

Saiu pela rua, procurando encontrar um sentido.


Não um sentido para a vida, assim, em sentido amplo. Nem mesmo um sentido, assim, no sentido estrito, de ter de onde ir. Podia simplesmente ir para onde os pés ou o nariz apontavam. Virou à direita, convicto que sim, era isso. Era nesse sentido que divagava e vagou, à procura de algum sentido.


Olhou as pessoas atribuladas, correndo de um lado para o outro. Fazendo o quê? Iam para onde? Em busca do quê? Sentiu-se só, naquela multidão. Todos sós, todos em sentidos opostos, desviando dos carros, dos buracos nas ruas, de balas tão perdidas quanto cada um em meio àquela multidão.


Observou aquele caos sem sentido. Sentiu pena de si, dos outros... Quis sair. Dobrou à direita e saiu pela rua, procurando encontrar um sentido.


Fechou os olhos e ouviu o canto maligno da cidade. Motores, buzinas, pneus, vozes abafadas. Nenhum canto de pássaro, nenhum grilo, cigarra ou equivalente. Nem sequer um latido. Quis gritar o seu grito contido, mas berrou um eco emudecido. Baixou os olhos para o lixo na sarjeta, assistiu mais um papel de bala cair ao chão e pensou: esse mundo está perdido, nada disso faz sentido.


Saiu pela rua, procurando encontrar um sentido.


Mas antes disso, respirou fundo até encher de fumaça os pulmões. Soltou o ar, sentindo-se aliviado. Deu nova tragada equivalente a cinco cigarros por dia, jogou a fumaça de volta ao esgoto, sentiu-se aliviado, tonto e sem sentidos. Quis andar, sair pela rua... atrás de alguma sensação, sim, algo que lhe restabelecesse algum sentido. À direita e avante, reiniciou seu caminho em círculo.


Parou no bar mais próximo, em meio a bebidas e cigarros, bêbados e fumantes. Desgostoso, comeu outro enlatado insosso: edulcorantes, conservantes, colorantes e aromatizantes. Respirou fundo, pensou colorir sua rotina sem gosto. Amortizou sua fome de vida e sentiu-se feliz, sem perceber que tal não fazia sentido.


O amor cruzou a rua e olhou-lhe nos olhos vermelhos. Se ela pudesse ver atrás dos seus óculos o olhar tenro que lhe retribuía. Se ela pudesse sentir o coração que fervia, atrás daquela fina gravata.


Se ele fosse capaz de atravessar aquela multidão, aquelas partículas sólidas de fumaça... Se fosse capaz de lhe dirigir doce palavra, ouvir sua doce voz, em meio à tanto ruído... Se pudesse sugar o mel dos seus lábios, tudo seria possível, faria sentido.


Hesitou por um momento, num instante perdido. Blasfemou o minuto corrido, o relógio girando em sentido anti-horário. Lamentou o passado e o peito moído, sua cara de otário, o sofrimento vivo e sentido.


Dentro da bolha permaneceu, dando voltas no quarteirão. Com insulfilm nos óculos, com blindagem no coração. E apesar de frágil como uma mosca, viveu "feliz" para sempre, a vida de sucesso dos fracassados.


Seguiu a vagar pela rua, massacrando seus próprios sentidos, sem sentido. Sempre à procura da cura, à procura de algo perdido, que pulsasse em seu peito vazio, doído.

3 comentários:

  1. vc é foda mesmo... morri!
    :)

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. ô louco...
    por essa eu não esperava Sr(a) Anônimo(a)

    Valeu mesmo!!! Dá uma grande motivação para jogar novas bobagens no ar.

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