sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Ter ouvidos

Dia vem e dia vai

Dia que nasceu em mim, e que não sai

Noite que me escureceu a vista.

Do amor que foi e volta e me conquista.


Neblina que me corta a carne.

E que de dor me cega a mais de um palmo

Pôr do sol, cheiro de final de tarde,

Que me excita, me eleva e deixa calmo


Vento suave que me cobre o rosto

que com dedos leves lava meu desgosto

Ar parado a que me entrego e que me empesta

Ar que sufoca e que devora o que me resta


Noite de chuva que me lava a cara,

Noite bruta, que esconde a dor,

Chuva que esconde a lágrima,

Madrugada que me afunda em torpor

Hora aflita, que de raiva, me enche a cara,

Poema bruto, que esconde o rancor,

Tempestade que enxagua lástima,

E leva ao ralo o que de mim sobrou


Gota colorida, que escorre a face,

Evapora e se transforma em arco-íris,

Sol e chuva, brincadeira e casamento,

Coração de esperança e pensamento


Tempo vira, tempo muda, tempo passa

Dia nasce, tarde cai e noite morre,

Um dia venço e no outro, viro caça

De dia riso, a tarde choro, a noite corre,

Não sei se rio ou choro um rio - e a vida foge.


Se a vida vira, a vida muda, a vida passa,

já não me importa se sou caçador ou presa.

O que me aflige é que a vida perca a graça,

Vire rotina, rota torta e sem surpresa.

Por isso canto um hino aos dias sem sentido,

e à palavra, rima e rumo, reprimidos.

Eu me liberto, vou pra rua e solto um grito,

Mas em meu mundo, em meu bairro - sigo aflito,

Ao que parece, poucos sabem ser ouvidos.

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