domingo, 14 de setembro de 2008

Crônicas de um Palestrino 4 - Alma lavada

É impressionante como o Palmeiras consegue mobilizar uma grande parte do meu dia. Eu deveria, hoje, estar sentado com a bunda na cadeira e olhos fixos nos livros de direito, estudando para ingressar no mestrado.

Mas a emoção não deixa. O dia todo, passo feito um alucinado esperando a partida que pode ser decisiva para o futuro do time na competição.

Logo de manhã, na minha leitura matinal no banheiro (sei, o comentário é desprezível e desnecessário, mas é assim que a coisa - ou o intestino - funciona para a maioria), vou direto à página de esportes procurar as notícias sobre o verde. Inútil indignar-me pelo fato de O Globo não cobrir os times de São Paulo, mas hoje, dada a importância do duelo, havia uma nota. O fato me deixa feliz. A cabeça distrai-se com notícias sobre o pré-sal, as eleições no Rio de Janeiro e o debate sobre a legalização (pífio, por sinal, tendo em vista os danos que o tráfico causa ao Rio).

Volto para a cama para mimar a mulher (elas precisam de atenção permanente). Aquele sinal de alerta permanece ligado, sempre me lembrando o quanto uma vitória fora de casa contra o vice-líder Cruzeiro seria importante. Ela (a mulher) me faz esquecer o verde por algum tempo, mas a mensagem do amigo no celular perguntando onde irei ver o jogo desvia o foco de um amor para o outro. Não adianta fugir.

Cogito comprar o pay-per-view. Ficar tranquilo em casa mas o preço é um assalto. O monopólio das organizações Globo (a mesma do jornal impresso, da minha internet e minha TV a cabo e aberta) é prejudicial não só à democracia. Inibe também a minha paixão. R$ 60 reais por uma partida é uma piada.

Bate 15:30, hora de ir para o bar onde a torcida do Palmeiras do RJ se reúne para assistir os jogos. No ônibus, no caminho, lembranças recorrentes a cada lenço verde pendurado nos cabelos das moças, a cada camisa de tom esmeralda. Sou consciente que nada disso tem a ver com o Palmeiras, mas estes são os caminhos da minha mente, perturbada pela decisão...

No bar confortam-me a visão de dezenas de palmeirenses vidrados na tela. E alimenta minha paixão os urros desta gente explodindo com o gol de Diego Souza aos 42 do primeiro tempo. Nos olhos deles, a mesma esperança que a minha.

Sinto que vamos vencer, sinto que é possível... e atribuo a chance da vitória, sinceramente, à camisa pirata do goleiro Marcos que comprei minutos antes da final entre Palmeiras e Ponte Preta, com o principal objetivo de tentar penetrar o subconsciente do meu sobrinho de 5 anos que acompanhou o jogo comigo. Eu não acredito em divindades ou espíritos, mas acredito na força da camisa que vesti hoje. Segundo meus cálculos, o Palestra nunca perdeu nos dias que eu vesti. Viva a costureira que bordou toscamente o símbolo no peito esquerdo.

No momento do gol, sinto ainda uma extrema satisfação em ver as pessoas na rua tentando entender por quê aquele punhado de marmanjos vestidos de verde está a gritar e pular. Dentro do ônibus lá fora observo um flamenguista olhar intrigado para o bar e penso: "respeita parceiro. O Palmeiras é gigante".

Com a expulsão estúpida do garoto Lenny (que não pode ser crucificado por isso) aos 17 do segundo tempo, o relógio passou a girar devagar. O Palmeiras se encolheu na defesa de uma forma que nunca vi um time do técnico Vanderlei Luxemburgo fazer. E a tática deu certo. Apesar de constantemente ameaçado e das boas participações do goleiro Marcos, o time encerrou uma série de 4 jogos levando gols, entre estes duas sonoras derrotas em goleadas para o Inter e Sport.

Chega o fim do jogo e a berraria continua. Canto freneticamente mesmo sem ter ingerido uma única gota de álcool. Filmo a pequena amostra dessa massa no celular. Envio o vídeo para um amigo fanático em São Paulo. Vejo o comemorar sincero de um palmeirense, com os olhos fechados e para baixo e os punhos cerrados, num momento exclusivamente dele, em que ele não quer mostrar nada para ninguém. Um vibração verdadeira de euforia pela vitória.

Volto para casa... tenho muitos deveres a cumprir. Meu apartamento está uma zona, eu preciso cozinhar algo para o jantar pois estou sem grana para comer fora. Mas minha atenção permanece no jogo e no sonho de ser campeão. Sei que não devo, mas inicio uma longa navegação pelas notícias do esporte na internet. Preciso compartilhar a alegria: disparo mensagens no celular. Aproveito e vingo-me do flamenguista que tirou sarro da minha cara quando perdemos para o Sport e sorrio sincero quando ele me responde todo nervosinho. Sei que é feio, mas foi ele quem começou com a palhaçada na semana passada, mexendo com minha revolta de um jeito que não se faz. Chego a me arrepender da mensagem, mas é o preço que ele tem que pagar (respeita, parceiro).

Estou em casa... tiro minha camisa da sorte, dobro-a e guardo direto do armário. É nojento, eu sei, mas ela nunca foi lavada e assim permanecerá até o fim do Brasileirão.

Ligo a TV na sala para ouvir o resultado do Botafogo. O Palmeiras matou e continua a matar boa parte do meu dia. Não consegui sequer pôr as cervejas que comprei no caminho de volta na geladeira. Estou vidrado nas notícias e neste relato. Eu sei que sou ridículo, mas estou feliz da vida com tudo isso. Como é bom vencer!

2 comentários:

  1. Interessante o Campeonato...
    Mesmo sabendo das chances do meu e das chances do seu, não consigo torcer pelos gaúchos!
    Ainda que me enerva a possibilidade do técnico conquistar o hexa pessoal.
    Mas ainda tem bola, tem jogo e sofrimento...
    Fato é que um campeão reconhece outro. Não foi pouca coisa o que se fez em BH!

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  2. Valeu pelo post Fi.

    Não foi pouca coisa o que se fez em BH. E não foi pouca minha vibração. Torci pelo São Paulo no último domingo, com medo de uma decolagem do Flamengo que, ao que parece, não vai ocorrer.

    O fato é que muita água (e bola) ainda vai rolar e o campeonato está muito indefinido, sem nenhum time excelente.

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