Lá vai ele caminhando pela rua.
Esquiva do pedinte, contorna o motociclista que vem em alta velocidade pela calçada e vira depois do segundo ambulante para, enfim, perder-se em meio à multidão.
Só ali ele se sente feliz... só ali.
Só ali em meio à guerra cotidiana... só ali.
Só quando pode olhar feio o batedor de carteira. Só quando abraça com um sorriso amarelo e hipócrita o bandido fardado. Só quando descarrega de volta no mundo toda a carga de cinismo que recebe pela TV, revista e outdoor, ele se sente feliz. Só ali, no ringue sem regras das ruas da cidade.
Em meio ao caos, em meio à selva, em meio aos vermes e predadores... ele também se sente acuado, oprimido... busca um ponto no horizonte para descansar a vista, relaxar a mente, esclarecer suas idéias. Ele se sente feliz?
Não há horizonte nem caminho a seguir. Mas ele segue, se contorcendo pelos subsolos, em meio aos carros e ruas, entre o canto sufocado dos pássaros, entre a fumaça que lhe resseca a garganta e a vista.
Se lembra do espaço não povoado em seu coração. Da devastação causada por aquela mulher. E pensa que ali, naquela terra salgada pela desilusão, ainda seria capaz de crescer um jardim. Mas nas ruas da sua cidade não. Não há mãos dispostas a jardinar. E as pessoas lhe olham com desdém e desprezo. E assim o deserto citadino penetra seu peito.
Dilui no vento poluído seus sonhos, suas ilusões e seu desamor. E volta à realidade, ainda à tempo de atravessar mais um farol...
É bom recobrar a consciência, pensa ele. Aguça a visão, tensiona os músculos e penetra de novo a multidão. É hora de vingar-se.
A partir de agora, o mundo não vai mais debochar dos seus dias insossos e fúteis. A partir de agora, ele vai ser feliz.
Ele vai amar, nem que seja na porrada!
Há 4 anos
muito bom!
ResponderExcluirObrigado Sr(a). Anônimo(a)!
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