No post anterior, ficou uma sensação de insatisfação: como mencionar Palmeiras 4 x 2 Flamengo sem dar um algo mais que possa servir como um vislumbre do que foi estar no estádio naquele dia 21 de maio de 1999.
Era quartas de final da Copa do Brasil (e não semi, como diz o vídeo abaixo). Na ocasião, pela força do time do Palmeiras, eu achava que o time iria conquistar os três grandes torneios do semestre. A Copa do Brasil, a Libertadores (que ao final conquistamos) e o Paulistão. No Paulistão, fomos vice, perdendo pro Corinthians após fazer o primeiro jogo da final com um time misto. No segundo jogo, pancadaria geral após Edílson (do Corinthians) fazer embaixadinhas e colocar a bola atrás da nuca. Para toda a minha vida, levei daquela noite uma importante lição: respeitar o adversário é essencial, em especial quando a disputa está à flor da pele.
O cenário de Palmeiras e Flamengo era diferente de qualquer coisa que eu já vira no Palestra
Itália. Nunca, em um jogo em casa, havia tanta torcida adversária presente. Durante a partida, veio a explicação: uma massa de corinthianos, impulsionada pela rivalidade ainda mais latente na época, invadira o Palestra cantando "Timão, eô". Mais que isso, no jogo seguinte no Palestra, ainda me lembro de ver pichado o nome da organizada Gaviões nas escadas que dão acesso à arquibancada.
O Flamengo saiu na frente no primeiro tempo. O Palmeiras só foi empatar aos 26 da segunda etapa, com um gol de Oséas. Aos 32, o Flamengo desempatou num belo gol de falta. O Palmeiras, que então precisava tirar 3 gols de diferença para ir a final, empatou num belo chute de Júnior aos 35, e foi virar aos 44 e 46 com dois gols de Euller.
Mas o que importa, foi o que se sucedeu naqueles 10 minutos de taquicardia. Aos 32, alguns torcedores começaram a deixar o estádio. Em tom de brincadeira, lembro de gritar, como tradicionalmente se faz, "sai fora pé-frio!", "a gente vai marcar três ainda". Era pura brincadeira, de quem assim como os outros presentes, já estava se conformando com a dura eliminação.
A torcida corinthiana e flamenguista presente no estádio gritava, calando o Palestra: "E-LI-MINADO". A minha revolta (eu tinha 17 anos), era enlouquecedora. Aos 35, uma luz, mas nada que desse um verdadeiro ânimo para acreditarmos na classificação, ainda mais quando o tempo ia lentamente se passando, sem que o Palmeiras pudesse diminuir o placar. Aos 40, uma multidão começou a se retirar e, desacreditado, renovei meus gritos de "fora pé-frio", dirigindo um riso misto de piada e decepção ao meu primo que me acompanhava naquela noite.
Dos 44 ao fim do jogo, menos de 5 minutos que valem a vida de um torcedor. Uma emoção em massa inexplicável, mas que em vão tentarei rabiscar. Dois gols de cabeça do Euller após dois escanteios, batidos do mesmo lado. Os gols, após dois "bate-rebates". Um misto de sorte, estrela e, mesmo não acreditando em divindades, muita reza. Após o primeiro gol do filho-do-vento Euller, aos 44, a torcida explodiu e voltou a acreditar no time.
Àquela altura, alguns torcedores que já se encontravam no túnel que leva para fora do Palestra, começaram a retornar às arquibancadas. O canto da torcida da casa sufocou o dos visitantes. Aos 46 veio o segundo gol e a euforia generalizada: lembro-me que cada jogador correu em direções diferentes após o gol; os gandulas invadiram o campo para comemorar; o goleiro do flamengo chutou a bola para o alto no ápice da sua raiva; e a torcida, não pode entoar um só grito em conjunto... o estádio estava eufórico e não tinha condições de cantar em uma só voz, tamanha era a emoção!
Poucos se lembram, mas o Fla quase estragou a festa aos 48, com um cruzamento da esquerda e um carrinho do lateral-direito Pimentel (ex-Palmeiras), que jogou a bola contra a trave esquerda do goleiro Marcos. A torcida do Palmeiras emudeceu, mas foi por menos de um segundo e, naquele momento, sequer poderia realizar o que seria se aquela bola tivesse entrado.
A capa do jornal LANCE! do dia seguinte trazia o título: ÊXTASE VERDE. Na TV, durante mais de uma semana, a imagem mais comentada foi a de um menino chamado Ênio, chorando desamparado no colo do pai. Seria aquela a sua primeira partida? De que forma será que aquela noite marcou aquele garoto?
A euforia foi total. E minha noite se acabou com a bandeira do Palmeiras tremulando dependurada no porta-malas do carro, enquanto eu, meu primo e alguns de seus amigos voltávamos buzinando freneticamente em meio a muitos outros pela Avenida Sumaré, berrando e cantando de forma alucinada e ouvindo as notícias e entrevistas pelo rádio.
Fico imaginando o que deve ter pensado uma pessoa que não goste de futebol, naquela avenida. Algum transeunte que sequer soubesse da realização de uma partida naquele dia. Deve ter ouvido assustado o estádio explodir com o terceiro e quarto gols. Deve se ter perguntando se o Palmeiras havia sido campeão, se o jogo era uma final, ficando surpreso ao saber que não se tratava de nada disso. Esta pessoa jamais comprenderá, provavelmente, que ainda que fosse um amistoso, teria sido demais. E aí está uma beleza do futebol e do esporte em geral: sua capacidade de criar emoção e beleza a partir do nada, e ao mesmo tempo, com fundamento em muita história.
Um pouco dessa emoção e dessa história pode ser vista no vídeo abaixo. Mas há muito mais em torno dessa partida e da sensação dos torcedores que estavam naquele estádio, como os confrontos com o Corinthians na Libertadores daquele ano. Mais do que ganhar o jogo e classificar-se, calar a torcida Corinthiana engendrada na massa rubro-negra teve um prazer especial. Afinal, o Palestra Itália já era (e sempre será), o nosso estádio, a nossa casa. Como poderíamos deixar impune um visitante tão mal-educado?
Naquela noite, ainda, destaco algo que me serviu de lição (também) para o resto da vida: observar a raça do jogador Paulo Nunes, que nos três gols do Palmeiras no segundo tempo foi recolher a bola no fundo das redes, mesmo quando tudo já parecia perdido.
Prova de que, mais do que um simples entretenimento, o futebol (e o esporte) pode educar e ser uma escola na vida. Aquele atleta, naquele dia, me marcou e me ensinou a acreditar que não há vitória perdida enquanto a história não tiver chegado ao fim, que não há derrota certa e que é importante acreditar no impossível.
Já dizia Fernado Pessoa, afinal: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena."
A minha, certamente, não é!
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A propósito: recentemente o Euller deu uma declaração sobre esse jogo: "Nunca vivi algo parecido com aquilo. Lembro que o estádio estava lotado e, mesmo quando perdíamos por 2 a 1, sentíamos uma vibração muito forte. A torcida incentivando e o grupo acreditando. Foram dois gols mágicos, que jamais sairão da minha memória." Veja no Globoesporte
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Mais de um ano depois do post mais um video do Sportv que vale a pena ver, com uma longa entrevista com o Euller. O Sportv podia ter caprichado mais, mas tá legal. O importante é que ficou o registro.
Vai abaixo, em duas partes
Parte 1:
Parte 2:
Destaque para o Rodrigo Mendes falando que foi o jogo mais emocionante da carreira dele. E para a torcida cantando Galvão, viado. hahaha. Muito bom!
Tem algum conteúdo pra indicar a respeito? Deixe um comentário!!!
Há 4 anos
Luigi...o jogo é sensacional! Me lembro de estar na casa do meu primo, nãoacreditando (junto mesmo) no que via! Os meus 13 anos foram terríveis! Talvez o pior ano como torcedor do São Paulo. Eliminados do Paulista e do Brasileiro pelo Corinthians e vendo os dois maiores rivais abocanhando tudo!
ResponderExcluirDói!
Só acho que tem um pequeno erro no vídeo. Não era semifinal da Copa do Brasil. Acredito que sejam as quartas-de-final, pois a final da Copa do Brasil 99 foi disputada entre Botafogo e Juventude. Se não me engano, o Palmeiras foi eliminado, em seguida, nos pênaltis pelo Fogo.
Abraço
Fi
Era quartas de final mesmo. Você está totalmente certo!
ResponderExcluirCorrigi no post!