quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Coração abusado - razão pra sentir

Durante muito tempo, acreditei piamente ser um ser racional, ou predominantemente racional. Minha vida, então, era orientada por essa falsa crença. Observava situações passadas e massacrava minhas atitudes ou minha falta de atitude, depositando a culpa de muitos insucessos na excessiva racionalidade, que me impedia sentir.


Levei mais de 24 anos de vida, algumas sessões de terapia e suas avaliações para perceber o contrário. Meu lado mais desenvolvido era justamente o lado emocional, que eu tentava, em vão, libertar. Se tal descoberta não chegou a ser traumática, reorientou a interpretação de várias situações vividas anteriormente. Aquela culpa por meus insucessos que, injustamente, eu atribuía à minha racionalidade, não tinha mais razão de ser.


Descobri que tinha um coração abusado. Um lado emocional mais forte e mais maduro do que eu mesmo imaginiva. E essa consciência me fez explorar novas possibilidades. Descobri meu lado racional deficiente, ao menos em alguns aspectos, e passei a estimular seu desenvolvimento.

Mas o coração abusado sempre bateu mais forte. E por bater tão forte, muitas vezes apanhou da vida, que revida. E por bater tão forte, orientou muitas decisões certas e erradas.


Por ser tão abusado, nunca precisou de razão pra sentir.


Isso não significa que fico por aí a chorar sem motivos. Mas quer dizer, sim, que choro por motivos fúteis, bestas, tolos, ao menos aos olhos dos corações racionais, incapazes de compreender minha emoção sem razão. É verdade, sim: eu preciso de menos razão pra sentir, o que faz do meu coração um órgão irracionalmente razoável. Um coração que abusa da faculdade de sentir e que é freqüentemente abusado, usurpado, por aqueles que lhe enrolam e iludem por quaisquer razões, mesmo que fúteis, tolas, bestas. Abusam do meu coração, como se tal fosse razoável.


E isso me faz perguntar: serei eu então, o irracional? Serei eu, então, o pouco razoável? Devo eu, mudar? Ou vivo feliz por sentir, ainda que as mais diversas razões me levem aos extremos da alegria e do sofrimento, mesmo sem razão aparente?


A dúvida é pertinente. E a razão não é a única capaz de lhe oferecer resposta.

A dúvida é permanente. E não vai se dissipar enquanto houver coração pra sentir.


Perdoem, caros leitores...

"Se o quadradismo dos meus versos,

vai de encontro aos intelectos,

que não usam o coração,

como expressão."

(Você Abusou – Antônio Carlos e Jocafi)


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